quarta-feira, 17 de abril de 2013

Pensamentos estapafúrdios

            Acordei tarde, com o chamado do despertador cócórócó. Me deram um despertador-galinha, meio cafona, meio fofo, mas com alguma utilidade. O problema é que todos os dias acordo perturbada. Pensei em aposentar o objeto e usar um despertador de gente um pouco mais normal ou, quem sabe, fazer como tantas pessoas e programar o celular para me alertar que preciso levantar da cama. Mas vou achar outra coisa. Desisti, resolvi abraçar a galinha e aceitar que a minha sina é acordar perturbada. 
            No caminho para a cozinha pensei em procurar um despertador-vaca, pode ser mais engraçado acordar com um múúúúúú. Pensamentos estapafúrdios sobrevoam a minha mente pela manhã, nunca soube decifrar esse traço da minha personalidade, só sei que imagino situações e coisas e histórias que se eu fosse colocar no papel daria um livro. Muito maior que a Bíblia.
             Peguei o jornal e me encostei no balcão para tomar café, mas não consegui me concentrar nas manchetes. Lembrei da cena de um filme que não recordo o nome, tampouco a graça da personagem principal, só me detive na frase que ela dizia. "Tô cansada de fazer as refeições sozinha, dormir sozinha, acordar sozinha e levar o cachorro para fazer cocô na rua sozinha". Comecei a rir, afastei a cena da memória e fui checar os compromissos da agenda. O dia estava preguiçoso, desisti de correr e resolvi ficar de pijama, trabalhar em casa tem esse tipo de vantagem, posso me arrumar ou não, usar roupa velha ou não, pentear o cabelo ou não, ficar sozinha. Ou não.     
               Post-Its espalhados pela tela do computador, alguns papéis com anotações em cima do teclado, muita coisa para fazer. Sempre gostei de correr contra o tempo, funciono melhor sob pressão, por isso adoro prazos.  O aperto me deixa confortável e mais criativa. Se eu tenho um longo tempo vou empurrando com a barriga, deixo para fazer depois e depois e depois até ficar com a corda no pescoço, então funciono que é uma beleza. Devo gostar de viver no perigo. Sozinha. De novo, a atriz que não lembro o nome. O filme que esqueci como se chama. A cena. A frase. E eu pensando nisso. E a corda começou a me enforcar. As coisas ficam batendo na minha porta, chega uma hora que não dá para fingir que não tem ninguém em casa. Abri.Todos os dias pela manhã eu tomo café sozinha, é automático. Pego o jornal, coloco em cima do balcão, me encosto nele, faço carinho com a sola do pé na cadela que está no chão esperando algum pedaço de maçã cair. Sei que hoje na hora do almoço vou comer o que sobrou do frango daquele restaurantezinho chinês lá da outra quadra. Já sei que vou aquecer no microondas e as bordas ficarão quentes e o meio frio. E já sei que, de acompanhamento, vou pegar duas ou três bolachas cream cracker. E meu almoço vai ser em pé, no balcão, sozinha. Isso não me incomoda, será que deveria? Me sinto bem sozinha, de vez em quando é chato, morar só tem lá as suas desvantagens. Não é sempre que você tem com quem conversar. Você tem que se virar para comer. Você tem que lavar as suas roupas. Você tem que atender o telefone. Mas eu sempre fugi das regras. Converso com a cadela. Peço ou invento comidas. Mando a roupa para a lavanderia. A secretária eletrônica fala por mim. Terceirizo problemas, essa é a lei. Tudo é terceirizado. Menos o cocô da cadela. 
               Dormir sozinha é uma beleza. Ninguém ronca na sua cara. Ninguém puxa o cobertor. Ninguém te dá um tapa sem querer ao virar para o lado. Mas ninguém te dá bom dia. Ou boa noite. Ou te abraça quando esfria. Existe o lado ruim, mas não entendo a tal personagem do filme. Você pode dormir ou acordar quando quiser, como quiser, além de colocar na sua cama quem - obviamente - você quiser com, de quebra, a liberdade de mandar embora o indivíduo na hora que der na sua telha, afinal, a cama é sua. Nela você manda. Nela e na sua vida

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