Acordei tarde, com o chamado do
despertador cócórócó. Me deram um despertador-galinha, meio cafona, meio
fofo, mas com alguma utilidade. O problema é que todos os dias acordo
perturbada. Pensei em aposentar o objeto e usar um despertador de gente
um pouco mais normal ou, quem sabe, fazer como tantas pessoas e
programar o celular para me alertar que preciso levantar da cama. Mas
vou achar outra coisa. Desisti, resolvi abraçar a
galinha e aceitar que a minha sina é acordar perturbada.
No caminho para a
cozinha pensei em procurar um despertador-vaca, pode ser mais engraçado
acordar com um múúúúúú. Pensamentos estapafúrdios sobrevoam a minha
mente pela manhã, nunca soube decifrar esse traço da minha
personalidade, só sei que imagino situações e coisas e histórias que se
eu fosse colocar no papel daria um livro. Muito maior que a Bíblia.
Peguei
o jornal e me encostei no balcão para tomar café, mas não consegui me
concentrar nas manchetes. Lembrei da cena de um filme que não recordo o
nome, tampouco a graça da personagem principal, só me detive na frase
que ela dizia. "Tô cansada de fazer as refeições sozinha, dormir
sozinha, acordar sozinha e levar o cachorro para fazer cocô na rua
sozinha". Comecei a rir, afastei a cena da memória e fui checar os
compromissos da agenda. O dia estava preguiçoso, desisti de correr e
resolvi ficar de pijama, trabalhar em casa tem esse tipo de vantagem,
posso me arrumar ou não, usar roupa velha ou não, pentear o cabelo ou
não, ficar sozinha. Ou não.
Post-Its
espalhados pela tela do computador, alguns papéis com anotações em cima
do teclado, muita coisa para fazer. Sempre gostei de correr contra o
tempo, funciono melhor sob pressão, por isso adoro prazos. O aperto me deixa confortável e mais
criativa. Se eu tenho um longo tempo vou empurrando com a barriga, deixo
para fazer depois e depois e depois até ficar com a corda no pescoço,
então funciono que é uma beleza. Devo gostar de viver no perigo. Sozinha.
De novo, a atriz que não lembro o nome. O filme que esqueci como se
chama. A cena. A frase. E eu pensando nisso. E a corda começou a me
enforcar. As coisas ficam batendo na minha porta, chega uma hora que não
dá para fingir que não tem ninguém em casa. Abri.Todos
os dias pela manhã eu tomo café sozinha, é automático. Pego o jornal,
coloco em cima do balcão, me encosto nele, faço carinho com a sola do pé
na cadela que está no chão esperando algum pedaço de maçã cair. Sei que
hoje na hora do almoço vou comer o que sobrou do frango daquele
restaurantezinho chinês lá da outra quadra. Já sei que vou aquecer no
microondas e as bordas ficarão quentes e o meio frio. E já sei que, de
acompanhamento, vou pegar duas ou três bolachas cream cracker. E
meu almoço vai ser em pé, no balcão, sozinha. Isso não me incomoda,
será que deveria? Me sinto bem sozinha, de vez em quando é chato, morar
só tem lá as suas desvantagens. Não é sempre que você tem com quem
conversar. Você tem que se virar para comer. Você tem que lavar as suas
roupas. Você tem que atender o telefone. Mas eu sempre fugi das regras.
Converso com a cadela. Peço ou invento comidas. Mando a roupa para a
lavanderia. A secretária eletrônica fala por mim. Terceirizo problemas,
essa é a lei. Tudo é terceirizado. Menos o cocô da cadela.
Dormir sozinha é uma beleza. Ninguém
ronca na sua cara. Ninguém puxa o cobertor. Ninguém te dá um tapa sem
querer ao virar para o lado. Mas ninguém te dá bom dia. Ou boa noite. Ou
te abraça quando esfria. Existe o lado ruim, mas não entendo a tal
personagem do filme. Você pode dormir ou acordar quando quiser, como
quiser, além de colocar na sua cama quem - obviamente - você quiser com,
de quebra, a liberdade de mandar embora o indivíduo na hora que der na
sua telha, afinal, a cama é sua. Nela você manda. Nela e na sua vida
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